Repensando as agências reguladoras

Elson José da Silva - Presidente da UnaReg

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No dia 28/12/2018, o Valor Econômico publicou uma reportagem sobre a proposta do Ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas de reestruturação das agências reguladoras de transportes. Segundo a reportagem, o ministro afirmou que a ideia é extinguir a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e a Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e, criar a Agência Nacional de Transportes (ANT).

Em princípio, a fusão de órgãos com o objetivo de economizar e de melhorar a gestão me parece uma boa ideia. No entanto, a única justificativa apresentada na reportagem para a extinção das duas agências e a criação de uma nova foi a simples troca dos diretores destas agências. Entendo que essa atitude iria contra o princípio da autonomia dos órgãos reguladores, princípio inerente à ideia de agências reguladoras.

Para uma mudança de tamanha envergadura é preciso que sejam apresentados os benefícios para a regulação de ambos os setores, como os setores de infraestrutura aquaviário, rodoviário e ferroviário seriam beneficiados com uma única Agências Reguladora. Caso contrário, fundamentar a ruptura proposta apenas pela alteração de diretores atenta contra a segurança jurídica. Afinal de contas, o mandato é uma prerrogativa para garantir a atuação autônoma dos órgãos reguladores, imaginar uma mudança na estrutura das Agências Reguladoras a cada 4 (quatro) anos, apenas para mudar diretoria seria caótico.

Concordo que a atuação de todas as agências reguladoras, e não só da ANTT e da Antaq como deu a entender a reportagem do Valor Econômico, tem deixado a desejar e, que algumas vezes, as agências atrapalham o desenvolvimento do setor regulado ou prejudicam os usuários, criando regras desnecessárias. Mas, em minha opinião, isto decorre do fato do modelo de agência reguladora ter sido deturpado no Brasil.

Os governos dos últimos 16 anos têm desrespeitado a autonomia prevista nas leis das agências, interferindo continuamente nos assuntos de competência das mesmas, objetivando atender a interesses diversos daqueles previstos em lei. Essa interferência começa na escolha dos dirigentes das agências. Os cargos de dirigentes destes órgãos foram loteados e utilizados como moeda de troca com seus partidos aliados no Congresso Nacional. Criaram-se assim feudos dentro das agências, onde cada agência pertencia a algum partido ou era dividido entre partidos aliados. Cada partido aliado passou a ser o “dono” de determinada agência, indicando apadrinhados para os cargos de direção. Esta sistemática foi adotada, não somente na ANTT e na Antaq, mas, em todas as agências reguladoras.

Outra forma de captura política é por meio das restrições orçamentárias e estrangulamentos financeiros. Enquanto as Agências Reguladoras não tiverem autonomia orçamentária frente aos Ministérios vinculado, continuarão sujeitas ao aparelhamento politico-partidário.

Com essa ingerência política, não é de se admirar que a atuação das agências, no geral, seja tão ruim. E, sendo assim, parece justificável a ideia do novo governo de extinguir agências, mas é preciso ir além de destituir os diretores indicados políticos. Portanto, esta medida tem que ser avaliada com cuidado, devido ao precedente que seria aberto. No cenário atual, em que o novo governo, aparentemente, está nomeando pessoas com conhecimento técnico, independente de indicações partidárias, supõe-se que os novos diretores indicados seriam melhores que a maioria dos atuais.  Mas, não podemos nos esquecer que o governo Bolsonaro terá a necessidade de aprovar medidas amargas no Congresso, dentre elas a reforma da previdência, onde precisará de apoio de vários partidos que tem longo histórico de políticas do tipo “toma-lá-dá-cá”. E, numa situação como esta, há o risco de a prática de negociação de cargos ser retomada. Com isso, a proposta, que eu acredito ser bem-intencionada, do Ministro Tarcísio de Freitas pode ser comprometida.

Gostaria de sugerir ao ministro que, ao invés de extinguir agências com o único intuito de destituir diretores, ele apoie a aprovação, em regime de urgência, do Projeto de Lei das Agências (PL 6621/2016), que está em fase final de tramitação no Senado Federal. Apesar de não ser o ideal, o PL 6621/2016 (sem as emendas esdrúxulas propostas na Câmara dos Deputados) representaria uma grande melhoria na gestão das agências reguladoras, no sentido de se reduzir as ingerências políticas e melhorar o processo de escolha de seus dirigentes.

É preciso dialogar e quem mais entende de regulação de serviços públicos no Brasil são os servidores efetivos das agencias reguladoras, concursados e capacitados para a tarefa.  Estamos à disposição do governo Bolsonaro para debater a proposta do ministro Tarcísio e tentarmos entender como a mesma pode contribuir para melhorar a regulação, o ambiente de negócios no mercado de transportes e a infraestrutura aquaviária, rodoviária e ferroviária do país.

 

Elson José da Silva

Presidente da UnaReg

 

Obs: este texto a opinião pessoal do Presidente da UnaReg sobre a proposta de extinção da Antaq e da ANTT e a criação de uma única agência para substituí-las, não correspondendo à posição oficial da associação, uma vez que o assunto ainda não foi discutido com os associados. O assunto está aberto para debate pelos associados que queiram se manifestar.