O 5G e a neutralidade tecnológica

Thiago Botelho

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A tecnologia de quinta geração ou 5G da telefonia celular será um grande marco para alterar a conectividade atual entre pessoas, coisas e coisas e pessoas. Presenciaremos não apenas uma evolução da tecnologia como foi do 3G para o 4G, mas sim uma verdadeira revolução na interação das pessoas com a internet, especialmente nos processos produtivos.

As diversas novas formas de interação e a conectividade extrema que poderemos ter com o 5G, trarão um risco associado. Como quase tudo poderá estar conectado com outros equipamentos e, principalmente, com a internet, todos esses equipamentos poderão estar suscetíveis a ataques externos.

Esse é um debate que ocorre no mundo inteiro. A tecnologia chinesa supostamente é a mais avançada. O avanço chega a tal ponto que outros países não estão confortáveis com a forma que a tecnologia possa ser operada à distância, sem o conhecimento dos prestadores de serviços, donos das redes locais.

Exemplificando, um operador de rede de telefonia celular de determinado país compra equipamentos chineses para construção de sua rede 5G. Diversos equipamentos dos usuários dessa rede 5G serão conectados, como aparelhos de cidadãos, indústrias e até o governo local.

A insegurança dos países é que não têm controle sobre o que pode ser feito pelos fornecedores dos equipamentos para montagem da rede 5G e detentores da tecnologia. Poderão coletar dados relativos à privacidade dos cidadãos locais, acessar equipamentos remotamente ou ainda ser uma ameaça a soberania nacional?

Ou trata-se apenas de uma questão comercial ou, ainda, uma disputa entre países desenvolvido pela hegemonia ou liderança do mundo.

O fato é que alguns países como Estados Unidos, França, Austrália, Nova Zelândia, Japão e Reino Unido editaram regras limitando ou proibindo o uso de equipamentos chineses pelas operadoras locais na construção das redes de 5G.

O Reino Unido, em uma das mais recentes decisões, determinou que as empresas de telefonia local não poderão adquirir mais produtos de uma fabricante chinesa a partir de 1º de janeiro 2021 e que até 2027 as empresas britânicas deverão eliminar todos os componentes da empresa chinesa das novas redes 5G.

Mas as determinações têm um custo. Umas das maiores empresas de telecomunicações do Reino Unido, a British Telecom, anunciou uma estimativa de R$ 3,3 bilhões de prejuízo, em razão da determinação de troca de equipamentos.

No Brasil, o assunto ainda está em debate e o presidente Bolsonaro tem declarado que será dele a decisão sobre o assunto.

A minuta de edital de licitação que a Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel colocou em Consulta Pública não traz restrições à fornecedores ou tecnologia, seguindo a tradição do órgão regulador de ser neutro nesses quesitos.

Por outro lado, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) editou uma instrução normativa com o intuito de estabelecer os requisitos mínimos de segurança cibernética que deverão ser adotados no estabelecimento das redes de 5G.

Trata-se de documento realmente inovador. Primeiro, pela dúvida jurídica sobre as competências do GSI sobre o tema. Segundo, porque rompe com a tradição do Estado brasileiro neutralidade com relação à tecnologia.

Em apertadíssima síntese, a instrução normativa do GSI determina que, em uma mesma área de prestação de serviço, duas empresas de telefonia precisarão ter fornecedores distintos, para garantir a redundância e o funcionamento da rede, caso uma das redes falhe. Além de editar regras sobre como as prestadoras de serviço devem operar suas redes.

Como exposto no caso do Reino Unido, as obrigações impõem custos. E qual será o custo-benefício dos requisitos impostos as prestadoras no Brasil, considerando o poder aquisitivo da nossa população e a conjuntura econômica que enfrentamos atualmente?

O 5G poderá ser uma verdadeira revolução tecnológica, por isso sua implementação célere é tão importante. O Brasil poderá dar um salto de produtividade com a nova tecnologia.

Mas a imposição de custos excessivos pode atrasar a implementação das novas redes de 5G ou até inviabilizar sua implementação fora das regiões com maior poder aquisitivo e densidade populacional.

As técnicas de regulação evoluem cada vez mais, com níveis de sofisticação e especialidade cada vez maior. Também não podemos esquecer que o prêmio Nobel de economia deste ano foi para o estudo do modelo de leilões.

Análise de impacto regulatório e regulação responsiva são instrumentos que estão na fronteira tecnológica da regulação de mercados e são cada vez mais essenciais para que os Estados permitam o desenvolvimento dos mercados, balanceando os interesses entre governo, empresas e consumidores.

Sem os devidos estudos, aplicados pelo órgão especializados no assunto, novas regras, apesar das melhores intenções, podem causar graves prejuízos para o país. Por isso, que a regulação do mercado, visando a implementação das Políticas Pública precisa ficar a cargo das agências reguladoras, que são os órgãos técnicos responsáveis pelo desenvolvimento dos mercados.

(*) Mestre em Economia e especialista em Regulação de Serviços Públicos de Telecomunicações, ex-ouvidor da Anatel. Vice-presidente da UnaReg.