Reforma administrativa: a modernização do setor público passa por valorizar o servidor
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Com o retorno das atividades do Congresso Nacional no dia 5 de fevereiro, parlamentares já manifestaram que a reforma administrativa será uma das prioridades na pauta de 2024. O tema requer nossa atenção pois tramita na Casa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 32/2020) que objetiva modificar as regras para o funcionalismo público e cujo texto atual não contempla questões importantes para a qualidade da gestão das atividades públicas.
Assim, faz-se urgente estimular e elucidar o debate em torno desta proposição, uma vez que todos nós, servidores, governo e sociedade, buscamos a construção de um setor público cada vez mais ágil, eficiente e que atenda às demandas crescentes do país. Vimos, por exemplo, durante os grandes desafios enfrentados pela nação - como a pandemia e os diversos casos de escolhas de longo prazo -, que o servidor público é o pilar essencial para o funcionamento efetivo do Estado, sendo a máquina pública sustentada pelo trabalho ético e comprometido, exercido cotidianamente por estas pessoas.
Nunca é demais lembrar: Estado não é governo, governos passam e o Estado permanece. Por isso, é imperativo entender que a estabilidade do servidor efetivo é um instituto que protege a sociedade, ao garantir que o Estado não será desmantelado na transição de um governo para outro. Portanto, ela é um princípio inegociável da democracia.
Também o objetivo de uma reforma administrativa adequada ao Brasil jamais pode ser reduzir a estrutura do Estado, pois o Estado requer o tamanho necessário, compatível à condução e ao desenvolvimento do país. Para tanto, não se faz necessário promover alterações na Constituição Federal, mas sim concentrar esforços em busca por mudanças legislativas que gerem impacto positivo na eficiência das atividades públicas.
Sabemos que os avanços e o aprimoramento do serviço público, obtidos ao longo das últimas décadas no país, nos levam à necessidade de servidores cada vez mais capacitados para atuar nas diversas frentes da organização estatal. Dessa forma, é imprescindível que uma reestruturação administrativa preveja a regulamentação das carreiras com atividades exclusivas de Estado, com a obrigatoriedade do título de nível superior como requisito para o ingresso nesses cargos, pois cidadãos com formação adequada estarão mais aptos a exercer atividades que exigem expertise.
Outro ponto que deve ser normatizado é a medição da eficiência dos serviços públicos. A Administração Pública precisa aperfeiçoar o atual modelo de gestão e desenvolver, de fato, instrumentos que monitorem e mensurem a execução dos planejamentos estratégicos apresentados pelos órgãos, abarcando as atividades de todos que compõem a estrutura organizacional nas instituições.
Desse modo, devem ser definidas metas para todos os níveis da gestão, inclusive ministros, secretários e diretores. É fundamental que toda a equipe do órgão esteja empenhada e comprometida com a entrega de resultados e que as metas, tanto institucionais quanto individuais, sejam transparentes, mensuráveis e factíveis.
Da mesma forma, o servidor público concursado não pode arcar sozinho com a responsabilidade pelo desempenho do Estado, principalmente quando a definição dos instrumentos de gestão não são de sua responsabilidade. O não cumprimento dos objetivos exige consequências para todos os funcionários, incluindo os da alta gestão.
Porém, os passos devem ser planejar, executar, aferir, cobrar e requalificar. A modernização do serviço público implica no investimento em sistemas de avaliação de desempenho justos e transparentes, programas atuais de formação, capacitação e reciclagem para que os servidores possam aplicar as habilidades necessárias em suas tarefas. Além disso, é essencial considerar a recompensa por mérito e desempenho, com o valor de subsídios e benefícios pagos atualizados aos oferecidos pelo mercado, de forma a evitar a evasão de servidores de carreiras estratégicas para o Estado após anos de investimentos pelo poder público.
O Governo Lula tem uma oportunidade ímpar de começar a reforma que queremos ao padronizar a remuneração das Carreiras de atividade exclusiva do Estado com atribuições e responsabilidades similares e antes da realização do Concurso Unificado.
Realizar um concurso unificado mantendo-se as distorções atuais será canibalizar o próprio executivo, deslocando servidores com mais de 10 anos de investimento e qualificação específica para outras atividades do mesmo grau de importância, porém, para posições iniciais, ou seja, o governo remanejará servidores seniores para posições juniores.
Assim, ao manter a desigualdade atual da remuneração dos Especialistas em Regulação das agências reguladoras federais em relação às demais carreiras de nível superior do Ciclo de Gestão, além de não executar o escrito na criação das carreiras e reafirmado na MP 169/2005 - que criou o cargo de Especialista em Regulação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) -, o governo moverá os quadros especializados das Autarquias Especiais Federais para a Administração Direta.
Por fim, uma reforma administrativa bem-sucedida não pode ser vista como ameaça aos servidores públicos, mas sim como uma oportunidade de modernizar e fortalecer o serviço público, tornando-o mais eficiente e capaz de atender às exigências de uma sociedade em crescente desenvolvimento como a nossa.
A PEC 32/2020 não prevê nada disso e deve ser refutada em sua integralidade! Para garantir que os benefícios da reforma se estendam a todos os envolvidos, é necessário que a estabilidade, a capacitação e a valorização da força de trabalho do setor público estejam contempladas na proposta que será apresentada pelo governo atual.
Vamos lutar para que os servidores públicos participem ativamente da construção de uma pauta alternativa em parceria com o Executivo e demais entidades de classe, buscando apresentar ao Congresso Nacional uma agenda que realmente nos represente.
*Thiago Botelho, servidor público federal, mestre em Economia e diretor da União Nacional dos Servidores de Carreira das Agências Reguladoras Federais (UnaReg)
Obs: este texto a opinião pessoal do Diretor da UnaReg Thiago Botelho. O assunto está aberto para debate pelos associados que queiram se manifestar.