Por força da decisão transitada em julgado nos autos do Processo nº 0077000-45.2009.5.10.0006, em 24 de outubro de 2011, o SINDICATO NACIONAL DOS SERVIDORES DAS AGÊNCIAS NACIONAIS DE REGULAÇÃO - SINAGÊNCIAS foi reconhecido como ÚNICA entidade sindical com poderes de representação da categoria dos servidores das agências reguladoras federais, independentemente de seu regime funcional.

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Uma breve análise do papel das agências reguladoras no episódio da nova regulação para combustíveis

Há 6 anos


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João Pizysieznig Filho1
Marcus Werner2

Para se avaliar a atuação de agências reguladoras é preciso que se defina com clareza o que se deve esperar delas. Em outras palavras, é necessária uma digressão conceitual a respeito do papel das agências reguladoras na economia.

A criação das agências reguladoras remonta à criação do estado moderno, que substituiu as monarquias absolutistas a partir do século XVIII. Historicamente, então, as agências fazem parte do processo de democratização do estado. Foi, contudo, a partir dos anos 30 do século passado, quando o estado passou a liderar programas desenvolvimentistas, que as agências afloraram em vários países. Como exemplo brasileiro, pode-se citar o Instituto Brasileiro do Café (IBC) e o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), que tinham, ao mesmo tempo, cunho executivo e regulatório. Somente a partir dos anos 90, tais agências no Brasil passaram a receber a designação de reguladora.

Se, antes, o estado criava agências visando implementar suas políticas, como nos casos do café, açúcar e álcool, a existência de uma agência reguladora, após os anos 90, passou a ser fundamentada pelas falhas de mercado. De fato, o que justifica a existência de uma agência reguladora é a defesa do interesse público, quando o mercado, devido a características estruturais, não dá conta de atendê-lo. O interesse público, todavia, não pode ser analisado de forma rasa, pois a regulação deve levar em conta, também, a viabilidade econômica privada da produção do bem regulado. Em consequência, cabe às agências gerir o conflito de interesses entre o setor privado, de obter lucros e o interesse público, de ter à disposição bens e serviços de qualidade por preço justo e, por óbvio, o interesse público não significa o governamental.
Isto exige das agências conhecer os processos produtivos e as estruturas de mercado, bem como ser sensível ao interesse público, difuso e multifacetado por natureza. Assim, para cumprir seu mister, é mandatório que as agências, além da autoridade regulatória formal, desfrutem de autoridade técnica, pois ambas conferem legitimidade às suas normas. Esperase, dessa forma, que as agências constituam-se em “think tanks” setoriais de excelência. A competência técnica das agências tem, como se percebe, maior alcance do que sua autoridade normativa. Espera-se que elas sejam chamadas a opinar sempre que os setores em que atuam estejam sendo objeto de regulações em outras esferas, como no legislativo, executivo e judiciário. Para tanto, devem atuar com isenção e autonomia em relação a interesses políticos.

Posto este arcabouço conceitual, pode-se afirmar que a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) apresentou altos e baixos frente à recente crise dos combustíveis, que levou à paralisação do país na greve dos caminhoneiros. A reação tempestiva veio com o Despacho nº 671 da ANP, publicado no DOU em 25 de maio de 2018, na qual flexibilizou várias exigências:

  1.  liberou tanto os postos de combustíveis quanto revendedores de gás liquefeito de
    venderem exclusivamente produtos da marca do distribuidor a que estão vinculados;
  2. aboliu os estoques operacionais mínimos, pois estes deveriam ser utilizados para o
    fim, mesmo, de abastecer o mercado durante a crise;
  3. reduziu o percentual mínimo de etanol anidro na gasolina de 27% para 18% e de
    biodiesel, de 10% para zero, no óleo diesel; e
  4. permitiu aos atacadistas, fornecedores de combustíveis para grandes frotas, os TRR
    (Transportador, Revendedor, Retalhista) venderem direto aos postos de varejo.

Em uma série de ações nesta crise, a ANP ficou, contudo, à mercê da atuação errática do Governo. Diferentemente, agiu o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que produziu um documento com reflexões e proposições, denominado Repensando o Setor de Combustíveis: medidas pró-concorrência http://www.cade.gov.br/acesso-ainformacao/publicacoes-institucionais/contribuicoes-do-cade/contribuicoes-docade_medidas-28maio2018-final.pdf ). O documento do CADE acabou levando à constituição de um grupo de trabalho conjunto entre este órgão e a ANP, para discutir as propostas nele contidas ( http://www.cade.gov.br/noticias/cade-e-anp-instituem-grupo-de-trabalho-paraanalisar-mercado-de-combustiveis ).

As críticas à atuação da ANP podem ser verificadas no documento do CADE. Uma questão fulcral está na proibição imposta pela Agência desde 2009, e mantida durante a crise, para a venda de etanol diretamente das usinas para os postos de abastecimento. Quem defende a proibição afirma que, com a venda direta, corre-se o risco de sonegação de impostos e fraude na qualidade do produto. As vantagens óbvias da venda direta são a exclusão da remuneração de um dos elos da cadeia, o elo da distribuidora, e a eficiência logística, evitando que o produto “passeie” até os tanques da distribuidora e depois volte para um posto de abastecimento próximo à usina de etanol. Como há quase 400 usinas espalhadas pelo país, é de se esperar uma grande economia logística com a venda direta. Já a maior possibilidade de sonegação e fraude no produto deveria ser tratada no âmbito da obrigação dos órgãos de fiscalização, tanto a ANP, como as receitas estaduais. Sob a justificativa de facilitar a arrecadação e a fiscalização da qualidade dos combustíveis não se pode onerar o consumidor e, portanto, prejudicar a eficiência econômica do país. O eventual maior custo da fiscalização, certamente será menor do que o custo hoje imputado aos consumidores.

Com respeito ao óleo diesel, por meio da Medida Provisória nº 838 e do Decreto nº 9.392, ambos de 30 de maio de 2018, o Governo alçou a ANP à operadora de uma subvenção sobre os preços de venda do óleo diesel, a ser creditada a distribuidoras e importadores do produto. A MP estabelece que a subvenção deverá durar até 31 de dezembro de 2018 ou até a despesa total com as subvenções atingir R$9,5 bilhões. A ANP também foi instada a regular a frequência de reajustes dos preços dos combustíveis pela Petrobras e, para tanto, abriu uma consulta pública para colher contribuições a respeito ( http://www.anp.gov.br/images/Consultas_publicas/2018/TPC/TPC-Repasse-do-Reajuste-Precos-Aviso.pdf ). Em ambos os casos, na subvenção e no controle de preços, a ANP está sendo vítima de uma distorção institucional frente aos objetivos para o qual foi criada.

Há, ainda, uma impropriedade no Decreto nº 9.392, pois estabelece que a subvenção nos preços do diesel seja dada com base na média aritmética dos preços de venda do produto.
Ora, é patente que a média ponderada pelo volume de cada nota fiscal seria um parâmetro mais consentâneo do que a média aritmética simples. A esta impropriedade caberia à ANP, como órgão técnico, manifestar-se.

A regulação pela ANP da política de preços da Petrobras, do ponto de vista institucional, é, certamente, um desgaste desnecessário, pois, se o governo brasileiro é o acionista controlador da empresa, ele tem poderes para ditar a ela sua própria política de preços, sem ter que “triangular” com a ANP uma regulação dessa política, mesmo que seja apenas com respeito à frequência dos reajustes. Ademais, o controle de preços via regulação fere a Constituição já no seu primeiro artigo, que elenca os fundamentos da República, entre eles, o da livre iniciativa.

A atuação da ANP vis a vis a do CADE, neste episódio, causa certa espécie. Por que as duas agências tiveram comportamentos tão distintos? O CADE, embora não formalmente, parece ter mais autonomia do que as demais agências reguladoras. A ANP teve sua institucionalidade desrespeitada, assumindo papel de gestora de subvenção e de controladora de preços. A atuação das agências é, sem dúvida, sujeita às normas hierarquicamente superiores. As leis e decretos federais têm ascendência sobre as resoluções e portarias das  agências. Mas essa atuação não tem que ser subalterna. A estabilidade institucional das agências deve ser vista como uma espécie de cláusula do contrato social entre governo e sociedade. Já, a contribuição técnica das agências, mesmo quando contrarie as proposições governamentais, deveria ser bem-vinda, pois discordar não deveria significar opor-se. Durante a greve dos caminhoneiros faltou lucidez ao Governo na edição de normas visando a solução da crise. Iluminar o ambiente regulatório com análises e proposições seria, certamente, um papel que se espera das agências reguladoras.

1 Especialista em Regulação na Agência Nacional de Petróleo – ANP.
2 Especialista em Regulação na Agência Nacional de Petróleo – ANP.