A importância das agências independentes
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De maneira incontestável, a pandemia tem evidenciado a importância das agências reguladoras, em especial da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Sem uma instância técnica independente na área da saúde pública, tendo que depender das disposições do presidente Jair Bolsonaro, talvez o País tivesse começado o ano de 2022 sem dispor ainda de nenhuma vacina contra a covid-19 aprovada. Certamente, sem uma Anvisa independente, não teria sido aprovado nenhum imunizante para crianças e adolescentes.
A independência das agências reguladoras é um importante limite para o exercício arbitrário do poder, tanto por parte do Executivo como também do Legislativo. Mais de uma vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a inconstitucionalidade de leis que autorizavam o uso de substâncias para fins médicos, sob o argumento de que o Congresso não dispõe de competência técnica para realizar tais liberações e, portanto, ao atuar assim colocava em risco a saúde da população. No ano passado, por exemplo, o Supremo declarou inconstitucional a Lei 13.269/2016, que tinha autorizado a distribuição, sem o devido registro sanitário, da fosfoetanolamina, conhecida como a “pílula do câncer”.
Ao mostrar de forma tão contundente a importância das agências reguladoras, o atual cenário confirma não apenas a inaptidão de Jair Bolsonaro para o cargo que ocupa. Sem poder interferir na Anvisa, o presidente da República optou por disseminar dúvidas, sem nenhum fundamento, sobre a honestidade dos funcionários e diretores da autarquia. As circunstâncias atuais relembram também a profunda incompreensão do PT sobre o papel das agências reguladoras.
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o partido de Lula fez ferrenha oposição no Congresso contra as propostas para a criação das agências e para sua independência. O lulopetismo, que nunca foi um especial defensor da necessidade de esferas de competência dentro da estrutura estatal, enxergava nas agências uma indevida limitação do poder político.
Nos governos petistas, as agências reguladoras foram relegadas e desprezadas. Houve vários atrasos, tanto no repasse de verbas como nas indicações de pessoas para as diretorias, que dificultaram o bom funcionamento dessas autarquias. O desfalque nos órgãos dirigentes tornou-se fato habitual. No governo de Dilma Rousseff, teve cargo desocupado por mais de três anos.
O desleixo lulopetista foi de tal ordem que uma Proposta de Emenda Constitucional (a PEC 57/2015) foi apresentada no Senado com o objetivo de fixar prazos para o presidente da República indicar, entre outros cargos, diretores das agências reguladoras e de tornar crime de responsabilidade o seu descumprimento. A PEC 57/2015 acabou não indo adiante, mas a desídia do PT com as agências reguladoras entrou para a história.
Eis aqui, portanto, mais um tema a merecer a retratação de Lula e de seu partido. Há vacinas contra a covid aprovadas no País, assim como outras decisões que talvez desagradem ao Palácio do Planalto, porque o governo de Fernando Henrique Cardoso dedicou os necessários esforços de estudo, planejamento e articulação política para a aprovação pelo Congresso das agências reguladoras; entre elas, a Anvisa. Tivesse prevalecido a visão do PT sobre o funcionamento estatal, a saúde do País estaria hoje à mercê de Jair Bolsonaro.
O papel fundamental da Anvisa no enfrentamento da pandemia remete diretamente à importância das reformas estruturantes. Muitas vezes, marcos jurídicos adequados produzirão efeitos decisivos muitos anos depois. Não são empreitadas de curto prazo. Quem diria que a conversão em lei de uma medida provisória (a MP 1.791/1998), em janeiro de 1999, seria fundamental para que a população pudesse dispor de vacinas contra uma doença que paralisaria o mundo mais de 20 anos depois? A Lei 9.782/99, que criou a Anvisa, é o resultado desse trabalho em conjunto do Executivo e Legislativo.
Lula e Bolsonaro ainda não entenderam, mas a responsabilidade produz frutos.