TCU tem fiscalizado mais a Anatel nos últimos anos, mas sem impor determinações
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A interferência do Tribunal de Contas da União no trabalho da Anatel tem sido alvo, nos últimos anos, de muita discussão, mas o tema se intensificou em 2017 por conta de atuação do TCU em processos mais críticos, como a celebração dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) entre as concessionárias de telecom e a Anatel, especialmente no caso da Telefônica. Este foi o tema de um dos painéis do Seminário Internacional ABDTIC, realizado nesta quarta, 8 em São Paulo, com organização da TELETIME e da Associação Brasileira de Direito das Tecnologias da Informação e das Comunicações.
Coube ao conselheiro Otávio Rodrigues, da Anatel, trazer dados e números para ajudar a entender o cenário. E o levantamento feito pelo conselheiro é revelador.
Foram abertos, até hoje, 455 processos no TCU contra a Anatel (ao longo dos 20 anos de existência da agência), dos quais 428 foram concluídos e 27 ainda estão em curso. Cerca de 27% destes processos dizem respeito a representações ou denúncias, 26% tratam do processo de desestatização, 23% de atos de aposentadoria ou pensão e o restante se divide entre solicitações, monitoramento e representações do Congresso Nacional. Nos últimos anos, revelou Otávio Rodrigues, houve um aumento nas atividades fiscalizadoras do TCU sobre a Anatel. Até 2009 a média era de 20 processos por ano, saltando para 30 em 2010, 40 em 2011 e o recorde foi em 2014, com 53. Em 2016 foram 39 processos e em 2017, até aqui, 18. Mas apesar do crescimento no número de processos recentes, aqueles que trazem determinações de fazer (e que efetivamente impactam na vida da agência), até caíram nos últimos três anos, para oito em 2014, cinco em 2015, três em 2016 e nenhum em 2017, até o momento. O percentual de processos com determinações mostra uma tendência de queda clara, segundo os dados do conselheiro.
Para Otávio Rodrigues, os dados em si não permitem conclusões, pois muitas vezes um processo do TCU pode gerar um efeito de muito maior impacto sobre a confiança dos servidores da agência e repercussão pública do que um grande volume de processos de menor visibilidade. "A abertura de um processo tem uma carga simbólica e metajurídica profunda, mas difícil de quantificar", disse.
Para o conselheiro, a sociedade, hoje, não aceita mais a falta de supervisão sobre atos administrativos, e é importante que o TCU desempenhe sua função constitucional, mas seria desejável que os técnicos da Anatel, sobretudo o corpo diretor, pudessem ter imunidade sobre os atos regulatórios e decisórios típicos da atividade. "Um juiz, por exemplo, não é investigado por absolver ou condenar nem por aplicar determinada dosimetria na pena".
Rodrigues chamou ainda a atenção para a discrepância das carreiras de regulador em relação à carreira do TCU. A remuneração final de um técnico da agência, de R$ 19,5 mil, é inferior à remuneração inicial de um técnico do TCU, de R$ 19,9 mil, sem contar benefícios. A Anatel conta com 1,58 mil funcionários, dos quais 865 para a atividade de fiscalização, enquanto o TCU tem 4,07 mil, sendo 1,6 mil para controle externo. "Mas o dado mais preocupante é que no corpo técnico da agência tenhamos apenas 21 funcionários com doutorado, o que mostra a necessidade de fortalecermos a carreira e a formação destes reguladores", disse Rodrigues.
Vácuo
Para o professor da FGV Carlos Ari Sundfeld, parte dos conflitos entre Anatel e órgãos de controle decorre do fato de que agência de fato se burocratizou muito nos últimos anos, ampliando o poder de uma agência que já tinha uma grande autonomia decisória. "Esse fenômeno se encontra com outro mais importante que é uma luta dentro do Estado Brasileiro sobre quem exerce a função e a coordenação do Poder Executivo. O Palácio do Planalto é uma fantasia, o jogo é muito mais complexo", disse Sundfeld. "Há autonomias, é preciso partilhar o poder para governar. Houve um vácuo da coordenação da gestão pública. E alguns órgãos tentam ocupar esse espaço, como TCU, que passam a disputar espaço com a chefia do Poder Executivo".
Para Marcelo Cunha, técnico do TCU e assessor especial do gabinete do ministro Alberto Cedraz, há muitos anos o Tribunal de Contas da União indica que é preciso um norteamento político para as decisões da agência, e que a falta desse referencial contribui para decisões que podem ser questionadas.
"O TCU não busca o enfraquecimento das agências. Já fomos demandados pelo Congresso para fiscalizar, por exemplo, tarifas de concessionárias. Não o fizemos. O TCU não deve passar por cima do regulador", disse Cunha, que foi responsável pela diretoria da SeinfraTelecom até o começo do ano.
Ele reconheceu que em alguns casos houve excessos, como no caso do TAC da Telefônica, em que um parecer da área técnica foi tornado público sem a avaliação do ministro Bruno Dantas, que acompanhava o setor de telecomunicações (hoje está responsabilidade está sob a tutela da ministra Ana Arraes). Mas lembrou que em todos os países há supervisão administrativa sobre as agências e que "a autonomia decisória das agências não tira a obrigação de prestação de contas, inclusive em sua atividade fim. Isso não tira sua discricionariedade técnica e política de tomar decisões", disse Cunha. Ele lembrou ainda que no TCU há um conjunto de seis ou sete auditores acompanhando o mercado de telecomunicações. "Não teria nem como substituir o trabalho da Anatel que tem 1,8 mil servidores".
Fonte: Teletime