Por força da decisão transitada em julgado nos autos do Processo nº 0077000-45.2009.5.10.0006, em 24 de outubro de 2011, o SINDICATO NACIONAL DOS SERVIDORES DAS AGÊNCIAS NACIONAIS DE REGULAÇÃO - SINAGÊNCIAS foi reconhecido como ÚNICA entidade sindical com poderes de representação da categoria dos servidores das agências reguladoras federais, independentemente de seu regime funcional.

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Vigilância Sanitária protege a saúde dos brasileiros

Doutora em Bioética e Saúde Coletiva analisa as relevantes funções e o papel da Anvisa

Há 3 anos


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No domingo, 17 de janeiro de 2021, o Brasil parou para assistir a um insípido programa na TV, mas que atraiu mais interesse que final de Copa do Mundo. Tratava-se da 1ª Reunião Extraordinária Pública da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com transmissão ao vivo pela televisão e pelo canal da agência no YouTube. Em pauta, a autorização para o uso emergencial das vacinas Covishield, produzida pela Universidade de Oxford, com a empresa anglo-sueca AstraZeneca, em convênio com a Fiocruz; e a Coronavac, da empresa chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan.

Finalizada a reunião e com a autorização emergencial da Anvisa para o uso de ambas, aconteceu, em São Paulo, a vacinação da enfermeira Mônica Calazans com a vacina do Butantan. Apesar da midiatização do evento, muitos brasileiros ainda desconhecem o que faz a Anvisa e o que a torna tão importante à saúde dos brasileiros, além de autorizar o uso de vacinas.

Vigilância dos riscos à saúde da população

Para explicar o que faz a Anvisa, é preciso entender o que significa vigilância sanitária na sociedade moderna. Utilizado em saúde pública, o termo designa diversas modalidades de se “vigiar a saúde” da população, com a finalidade de mantê-la saudável.

No próprio site, a Anvisa diz que a vigilância sanitária “engloba um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde”.

A primeira parte do enunciado diz que vigilância sanitária engloba “um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde”. Risco é um conceito central e caro à área de vigilância sanitária. De acordo com Beck (2010), o risco é um fenômeno social complexo, e que vem ganhando uma grande importância e amplitude na sociedade moderna, de tal forma que podemos chamá-la de "sociedade do risco”. O termo risco abrange significados variados. No campo da saúde, especialmente na Epidemiologia, corresponde a uma probabilidade de ocorrência de um evento, em um determinado período de observação, em população exposta a determinado fator de risco, como o de ser infectado pelo novo coronavírus.

A forma de prevenir os riscos de transmissão e contágio de uma doença é tarefa para a vigilância epidemiológica, subárea da vigilância sanitária. Cada enfermidade possui um risco associado de adoecer (morbidade) e de morrer (mortalidade). Assim, o risco de morbidade e de mortalidade da dengue é diferente da covid-19, pois os modos de transmissão de ambas são diferentes: a primeira é transmitida pelo mosquito Aedes Aegypt, o mesmo da febre amarela, e a segunda por gotículas de saliva ou aerossóis, expelidos durante a fala e/ou respiração. No caso da dengue, para prevenir o risco de contágio, fazer campanhas de eliminação do mosquito nas residências é eficaz, já para a covid-19, usar máscaras de proteção, tapando boca e nariz, é a prevenção adotada.

Neste sentido, a Anvisa cumpre o papel de articular as medidas de prevenção de risco de infecção por coronavírus. A agência tem publicado várias notas técnicas para a área de serviços de saúde, alertando para os riscos envolvidos na assistência em saúde aos doentes e propondo medidas de prevenção de infecção em postos de saúde, em centros cirúrgicos, em lares de idosos. A agência também publicou lista com critérios para uso de Equipamentos de Proteção Individuais (EPI), como as máscaras faciais. Todas as informações estão disponíveis no portal da Anvisa na internet.

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Medidas para a prevenção do risco de infecção por coronavírus.  Fonte: SES-MG, baseada em folder da Anvisa

A segunda parte do conceito de vigilância sanitária, anteriormente citado, prevê que, além de prevenir os riscos à saúde, a vigilância sanitária deve “intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde”.

Essa abrangência das ações de intervenção deriva do conceito de “risco potencial”, de grande relevância na área de vigilância sanitária, que é essencialmente preventiva, pois diz respeito à possibilidade de ocorrência de evento, que poderá ser prejudicial à saúde da população. Ou seja, refere-se à possibilidade de algo – produto, processo, serviço, ambiente – causar direta ou indiretamente danos à saúde.

Assim, a vigilância sanitária é uma política pública essencial para garantir a saúde dos consumidores nas sociedades modernas, industrializadas. Por intervir nas atividades econômicas, visando à proteção da saúde, as ações de vigilância sanitária têm natureza regulatória, com indicação de regras de boas práticas a serem seguidas pela indústria produtora dos bens de consumo, a fim de mitigar algum risco potencial à saúde da população.  

O risco potencial de uma substância ou produto nos remete a Paracelsus, médico suíço-alemão do século 16, que dizia “Dosis sola facit venenum” – “a diferença entre o remédio e o veneno é a dose”. No caso da fabricação de medicamentos, existe uma tênue linha que separa o remédio do veneno, pois a substância usada na dose errada ou para a doença errada, não só não ajuda a recuperação do doente, como pode lhe fazer mal, levando-o a óbito. Saber a dosagem de uma substância que não apresenta risco, além de definir para qual problema de saúde deve ser usada, é essencial à saúde, papel exercido pela Anvisa.

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Reportagem sobre vítimas da Talidomida.  Fonte: The Sunday Times, 24/9/1972

Exemplo emblemático de como o estudo da toxicologia é primordial na vigilância sanitária, é o caso da talidomida, substância para náusea durante a gestação. Em 1960, apesar do forte lobby da empresa farmacêutica Merrel, representante americana da alemã Chemie Grunenthal, a talidomida teve sua comercialização proibida nos EUA, pela Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora de vigilância sanitária de remédios e alimentos dos EUA.

Frances Kelsey, farmacologista da FDA, ao analisar o pedido de registro da talidomida, não ficou satisfeita com as evidências apresentadas sobre a segurança da droga em gestantes e deu um parecer proibindo o uso da substância. Posteriormente, confirmou-se a suspeita da Dra. Kelsey:  a talidomida causava efeitos teratogênicos nos fetos em formação, causando danos graves, especialmente malformação dos membros superiores ou inferiores. OS EUA foram poupados, mas a tragédia da talidomida atingiu famílias em mais de 45 países, inclusive no Brasil, onde ainda não existia a Anvisa. No mundo inteiro, calcula-se que 10 mil crianças nasceram sem braços ou sem pernas, sendo que várias gestações terminaram em abortos.

Anvisa, a agência reguladora que cuida da nossa saúde

No fim do século 20, algumas tragédias sanitárias marcaram igualmente a história da saúde pública no Brasil e justificaram a criação de uma agência, que regulasse a vigilância sanitária no país. Por ordem de ocorrência, podemos citar:

  1. Na década de 1980, pessoas com hemofilia foram infectadas com o vírus da aids, evidenciando negligências no controle dos bancos de sangue;
  2. Em 1987, catadores de sucatas foram contaminados com césio-137, proveniente de aparelhos de radioterapia abandonados em Goiânia (GO);
  3. Em 1996, 71 pacientes renais morreram, ao fazer hemodiálise com água contaminada com cianobactéria na cidade de Caruaru (PE);
  4. Medicamento falsificado: é o caso emblemático que ocorreu com a empresa Shering, que vendeu “pílula de farinha”, no lugar do anticoncepcional Microvlar, levando várias mulheres a terem uma gravidez indesejada.

A soma de todos esses problemas sanitários revelou a necessidade de ser criada uma agência federal, que se ocupasse da vigilância sanitária dos riscos potenciais à saúde da população brasileira. Assim, em janeiro de 1999, foi promulgada a Lei 9782, criando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A vigilância sanitária, como concebida pelo Governo Federal, privilegiou duas grandes áreas de atuação: medicamentos e alimentos, nos moldes da Food and Drug Administration (FDA), dos EUA.  

A vigilância sanitária, tal como foi instituída no Brasil, abrange a regulação de uma extensa gama de produtos e serviços, de natureza diversa, agrupados nos grandes ramos: alimentos; medicamentos; produtos biológicos (vacinas e derivados de sangue); produtos médicos, odontológicos, hospitalares e laboratoriais; saneantes e desinfetantes; produtos de higiene pessoal, como perfumes e cosméticos; além do controle sanitário dos portos, aeroportos e estações de fronteiras e da ampla variedade de serviços de interesse da saúde.

No seu portal na internet, a Anvisa apresenta o quadro de vacinas contra a covid-19, discriminando as fases em que se encontram cada uma delas :

  1. Vacinas com registro definitivo: vacina Covishield da Astrazeneca/Fiocruz e a vacina da Pfizer;
  2. Vacinas para o uso emergencial: vacina Coronavac do Butantan, vacina Covishield da Fiocruz; e vacina da Janssen;
  3. Vacina em análise para o uso emergencial: Sputnik, produzida pela Rússia;
  4. Vacina rejeitada, por problemas encontrados na fábrica, na Índia: Covaxin.

Desse modo, a Anvisa, além de suas relevantes funções, cumpre, neste momento, o papel fundamental ao estabelecer regras para implementação de ações de vigilância sanitária para o controle da pandemia pelo novo coronavírus: controle do uso de equipamentos de proteção individual (EPI), tais como máscara facial e aventais; produtos saneantes, como o álcool em gel.

(*) Sonia Marinho - Doutora em Bioética e Saúde Coletiva pela ENSP/FIOCRUZ, tem mestrado em Nutrição Humana (UFRJ), especialização em Atenção Primária em Saúde (Hospital Charité, Berlim, Alemanha) e graduação em Nutrição (UERJ). Trabalha com projetos de Atenção Primária em Saúde na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), tendo sido nutricionista sanitarista da Médicos Sem Fronteiras, em Moçambique e Brasil.